Bairrismo ou Preservação?

Existe aqui uma mistura “cínica” (sem ofender) entre bairrismo e preservação, entre egoísmo e ecologia, e, por conseguinte, entre conservadorismo e ‘desenvolvimento sustentável’: quem já fez seu pé-de-meia suficiente a uma bastante sobrevivência, esquece-se de pensar nos novos empreendedores, e não falo dos ‘de fora’; esquecem-se das demandas de melhores salários da juventude, nas escolas fracas, na falta de Saúde Suplementar, na ausência da saudável competição comercial, o que causa preços corrosivos aos salários já baixos. Esquecem-se, essencialmente, de que o mercado precisa se capitalizar, para gerar interesse ao investimento, quiçá ao bom investimento. Até aí está o óbvio, desde que a mão parkinsoniana do estado discipline a grande mão adamsmithiana, e que o concreto não arranque até as raízes das pessoas e das árvores! 

Mas esse conservadorismo, embora egoísta, diz que se preocupa com o “futuro de nossos filhos”…  Ora pois!! Que futuro legaremos para esses coitados da casta dos empregados, que hoje perambulam pelos poucos bancos empoeirados de pracinhas? Que futuro legaremos aos jovens de classe média, se seus pais os mandam para metrópoles, em busca de melhor ensino, e se este “melhor ensino” não tem rentabilidade aqui? Se eles serão outros veranistas de fim de semana ou aposentados? Que futuro terão, se, ao se pretender acesso à Saúde Suplementar, tem-se que ir ao Rio ou Niterói? Entretanto, este que vos escreve, receia ser confundido com os concretadores de natureza. Tenho dezenas de razões para repugnar o veraneio como tendência generalizada, disseminado através dos malditos condomínios horizontais; e sei que serei atacado exatamente pelos “conservadores”, cheios das boas intenções, daquelas que servem de leque no inferno…

Mas essa “verdade” comprado pronta, acha que o apego às coisas “turísticas” é a única ferramenta historiológica. E o sentimento muitas vezes tido como de ‘preservação’ é o mesmo que surtou no Rio de Janeiro, à época da reforma sanitária comandada por Oswaldo Cruz, em mil novecentos e poucos. O povo achava um belo símbolo cultural e um progresso da comodidade, por exemplo, o vendedor levar vacas às portas das casas, para o morador beber com galhardia o leite, a um metro das tetas, antes de bradar ─ a vaca é boa! E o vendedor, valente, desafiar: se não der 10 litros eu chuto o balde!

Paralelamente, no mesmo governo do presidente Rodrigues Alves, Pereira Passos (engenheiro) foi o primeiro a dar-se tecnicamente com o dilema das favelas, então já petrificadas na paisagem. Coube-lhe, e a Oswaldo, pois os temas eram correlatos, pensar que as favelas deveriam ser quase literalmente ‘aplanadas’, e muitos morros foram assim remodelados. Quem ali foi conservador, no bojo das boas intenções, contribuiu para a eternificação de diversos flagelos.

Ora, dando-nos ao trabalho da pesquisa histórica veremos que este é um exemplo emblemático, mas apenas um no rol de fatos sociais combatidos pelo conservadorismo, em nome da “preservação”. Como podemos renegar que o Mundo sempre evoluiu à força da mão e das mentes humanas? Como renegar que o nosso bem-estar eventual pode não ser suficiente para o futuro, e que, diante disso, futuras mudanças não admitidas hoje, podem vir dolorosamente pelas mãos sub-reptícias do acaso e dos cifrões? Podemos negar que o desenvolvimento deve cobrar seu preço, e que não temos a prerrogativa de passar décadas a negociar, sem a perda de toda uma geração socioeconômica? Refletindo por essas premissas entenderemos que muita energia é inútil diante da realidade, e que mais vale a pena historializar do que petrificar.

O caso mais, ‘fresco’, o da Rua das Pedras, eis aí para demonstrar o que digo. Nele há um teor de 30% de tensões políticas, 30% de conservadorismo e 40% de justas preocupações. Poucos tiveram a serenidade de pensar “para frente”. Raros fizeram o juízo de conveniência e oportunidade, e alguns exaltados chegaram a bradar “absurdo, absurdo!”, entre eles o urbanista que comandou a obra da nossa iconográfica Rua e o secretário de turismo que trabalhou para mantê-la cheia de consumidores por mais de uma década. Afora o alarmismo, muitos saudaram os benefícios dos idosos, a melhora da acessibilidade, a fluidez dos passos das crianças e seus pais, numa via de acesso pedestre apenas. 

O pitaco que ousei levantar foi o seguinte: as pedras continuarão lá, com sua irregularidade apenas no plano horizontal, coisa que é típica; os pontilhões, as enormes gretas, embora possam remeter às velhas sendas feitas por escravos, já não são mais ergonômicas e seguras. E, se devemos pensar em termos históricos, devemso nos perguntar: onde estão os pés descalços que transitavam lá antes das pedras serem assentadas? Onde estão os idosos que ali contrairam bicho-de-pé? Será que as garantias humanas dessas pessoas são e serão mantidas? Por que colocamos no caminho do homem da terra condomínios e mansões que vetam ou dificultam o acesso ao mar? Por que não regularizamos as posses seculares, para que os nativos não precisassem vender seus bens ‘embaraçados’?

Vá lá a má comparação: o governo Egípcio não se sepulta mais em pirâmides; os índios quase não se portam nus… Mas nem os jazigos faraônicos nem a nudez típica foi esquecida. O que avança sobre tais elementos antropológicos e sociais é exatamente a usura moderna, e esta o conservadorismo não supera, apenas agrava. Estão lá os índios acuados, não tão somente como etnias, mas como seres humanos, portadores de direitos nada maiores nem menores do que os dos ‘brancos’. De igual modo, no Egito, como documenta o jornalismo internacional, as garantias essenciais do homem vêm sendo atualmente renegadas, embora incólumes estejam seus constructos milenares. Então perguntamos: quem é maior: o homem, com sua cultura pungente,  intrínseca e capaz de se transformar racionalmente, ou a conservação fria das ‘coisas’?

Ainda cabe a última contraditória nota: com todo o respeito que temos à contribuição paisagística dele, o próprio arquiteto que brada pela autoria da Rua das Pedras, é aquisitor de terras nativas ‘embaraçadas’, portanto, um erradicador do homem nativo!

Um Homem ─ Vários Caminhos

Viajo aqui numa coleção de grafites urbanos colhidos no mundo inteiro. E desde muito já pensava nisso: que a pintura, meio marginal e inconveniente tem um viés de “inclusão” forçada, de gente querendo dizer com sua voz-em-tinta algo na mesa dos “civilizados”, na mesa para a qual foram ‘meio convidados’. E estão em Londres, Madrid, Lisboa, grafites intensos, falas orgânicas, primitivas sobre a arquitetura iluminada, soberba. Falam-se vozes do homem excluído sobre falas até milenares nos edifícios testemunho da antiga Europa… Imponência bizantina conversando com a efervescência punk… coisas indizíveis, coisas “detestáveis”, mas ali postas à mesa da arte, desafiando os que são reclusos no método, com a liberdade sensitiva na vida… Quem é “melhor”? Se todos são iguais… Quem deve estar ali: quem primeiro chegou e pintou em concreto, e escreveu um tratado de Propriedade e Direito, ou quem chegou depois e pintou com tintas, com verdade? E mais claro cada dia penso que está ali um diálogo de classes, de eras, do homem com o homem ─ esses que em algum momento da História se perderam de si.

Imagem

A liberdade não tem preço à altura, e sua manifestação mais nobre, a “expressão” é também a mais perseguida, a mais tolhida. Isso é certamente um fato que encurrala os homens que pensam dentro dos limites de suas descobertas ─ impraticáveis, inexpressáveis então.

Ilustração: Grafiti em Londres [sem autoria identificável]

Homem Rico, Natureza Pobre

A crise econômica européia, além de evidenciar o poder do mercado de capitais sobre os governos, denuncia outra faceta, mais grave, que é a crise do “Estado de Bem-Estar Social”. Enquanto a desorganização econômica dos Subdesenvolvidos os restringia a meros fornecedores de insumos, o consumo e a luxúria dos países ricos estiveram resguardados.

Hoje, com o verdadeiro sistema de vasos comunicantes estabelecido pela Globalização, as massas sociais dos países pobres forçam o mercado de consumo e pressionam o governo em busca dos direitos propagandeados pela mídia mundial e paulatinamente introduzidos nos sistemas de direitos locais. Um terceiro ponto a ser observado é a pressão do consumo sobre a natureza e o meio natural.

Vale ressaltar que a riqueza nada mais é do que a transformação dos recursos naturais em produtos e valias, e que a ‘sustentabilidade’ é um conceito tão raso quanto uma poça onde as formigas passam com a água na canela.

Uma Nova Consciência

Essa vontade absurda de “mudar” o quadro de injustiças à nossa volta esbarra no entorpecimento daqueles que se acomodam num Mundo proporcional ao tamanho de seus modestos sonhos. Aqueles que se expandem nas bebedeiras, no gosto duvidoso, na crença irrefletida, na alienação política… eles apenas buscam uma forma agrável de continuar pequenos, para não precisar reformar seu casulo de ilusões.

Nova Consciência do mundo

É necessária uma nova consciência. Um novo despertamento da humanidade. A visão holística da Natureza, um tema da Ecologia, precisa inclusive incluir o homem nas metas de preservaçãão e restauração. O progresso precisa “voltar” para apanhar os seres que ele deixou pelo caminho. E o que os visionários da Ecologia Humana devem ter em mente e em prática é que o consumismo, no mais amplo sentido, é o vento que desfolha nossos sonhos de justiça e sustentabilidade.

Teologia da Libertação Pessoal (aforismos)

• Só há um pecado: o que fere a integridade; seja corpórea, mental ou moral. E só há duas formas de pecar: contra o próximo e contra si.

• É abominável a idéia religiosa que aliena da responsabilidade social e ética. Engrandecer a humanidade, ao contrário de ser usurpativo, concederia a deus uns devotos menos degenerados.

• A democracia soa um contrasenso irônico, quando preconizada por um povo monoteísta; pois a retração do ato de “divinizar” panteísticamente reflete a tirania individualista do “único”, do ego.

• Só uma “entidade” supera o homem: a Humanidade. Desta característica “divina” evoluiu o Homem, que posteriormente puxou sobre si o fardo da religião institucionalista.

• A ação política legítima não deve servir a outro propósito senão ao desígnio ético de aprimorar a espécie. Já a religião, no mundo evoluído, voltará a ser aquela coisa menor que a fé inviolável; do tipo que até os ateus sentem pulsar no coração distraído.

• O mais cabível temor é não encontrar a infância na criança, nem a humanidade nos homens. E os santos verdadeiros foram aqueles que propuseram uma forma autoindutiva, independente da religiosidade, capaz de suplantar tais ameaças.

• O budismo é a des-religião, à medida em que a religiosidade ocidental seja admitida como a projeção comunitária da personalidade e que o orientalismo mantenha-se fiel à desconstrução do “ego”.

• Não há como negar um tipo imutável e impessoal de moralidade, que é geral, dedicada a preservar o quê de fração humana existe em cada remota pessoa. Então a religião é ‘derivada’, ‘relativa’, enquanto o humanismo é o sussurro doutrinário da própria consciência pura.

• Se vou durar o tempo curto da vida, não me limitarei às obras que se esvairão comigo: meu labor de criação aludirá ao eterno. Mas, se há uma religiosidade que garante a licença do “ser-infinito”, do des-humano, a mediocridade está “liberada” aos usuários do perdão que presumem possuir.

• Eu fui menino paupérrimo e furtei uns livros, para alimentar a alma: quem me condenaria por esse pecado sagrado!? Pensando bem, por via da lógica cristã-medieval, eu merecia a morte. Aí então não estaria aqui confessando a doçura dos meus pecados.

• O milagre que faz algumas idéias durarem tanto é exatamente o fato de terem sido defectivamente estruturadas, ao ponto de nunca se chegar a uma “prova de fogo” com elas. A religião não se pode contrapor à ciência apenas por motivos de habitarem “dimensões” tão díspares, mas pelo fato de que a religião não possui metodologia.

• Ando pasmo à espera da condensação, e esse turbilhão de sílabas nada! Não nascem palavras, Nem se perfilam em frases, no mecanismo mental do engaste. Por que dizer vapores, se as moléculas tomarão a forma do vaso receptor? Se eu fosse desleixado, já teria criado minha religião…

• Nada me impede de ser o materialista a trabalhar com objetos intangíveis. O materialismo nada mais se comfirma do que esta desprendida estratégia catártica de exceder a matéria, de chocar-se contra, para então encontrar-lhe, na ausência de sentido, um antídoto contra a presunçosa “realidade”.

• Minha voraz crítica ao transcendentalismo religioso funda-se em que ele induz a um realismo “irreal”, em tensão simultânea à força que insufla a des-cultura, em detrimento da cultura. A religião ainda não se libertou do vício imperialista-romano, que tende a “destruir” o espaço onde pretende dominar, como se os mais subjetivos sentimentos humanos se acotovelassem por uma vaga na exígua controversão da mente… Ora, há controvérsias que podem compartilhar a mesma cama: me enoja o imaterialismo materialista! Porque almejar o céu é cínico, enquanto não se possui a si mesmo.

• Se eu disser que minha luta é pacífica, e disser que não existe revolta dentro de mim, estarei mentindo. Mas, a grandiosa verdade é que essa latente indignação move meu sonho de paz.

• Reverencio os idosos, cujas verdades perdôo; e amo as crianças, que verdades não têm. Já os jovens são esses magistrados afoitos, sagrando os próprios dedos com a martelada do veredito.

• Diz-se que “pensamento sincero” é aquilo o que se diz “sem pensar”. Então, a resposta elaborada seria enganosa?! Acredito que a fidedignidade da opinião se condiciona ao compromisso entre si e suas palavras. Rodeios a mais são caprichos formulativos do estilo.

O caminho da Verdade

A verdade, as particulares verdades que causam morte e vida, são apenas um estágio vacilante entre a percepção e a realidade. Essas meia-verdades, quanto mais se tentam aprofundar e se legitimar, mais se afetam pelo aparato de percepção, e mais se afastam da realidade… Concordo, em parte, com os simplistas: “tudo é questão de interpretação. verdade mesmo não há…”.

Epígrafes

1) A “ignorância” é incompetente pra causar o mal total, mas o “meio-conhecimento” pode fazê-lo por inteiro, sem ser nada melhor. Portanto, mais vale um ignorante humilde do que um sabido petulante.

2) Persigo o poder. De modo sutil. Cada gesto meu postula o poder. É um poder de espécie que os ignorantes e meio-conhecedores tenderão a interpretar afoitamente, mas não sei se conseguirão. Submeto-me, no entanto, à autofiscalização cruel do meu humanismo, pois, a todo tempo me pergunto e me pressiono: “o poder para quê?”. E busco nos sinais dos poderosos do mundo a resposta também: “para que o poder?”… e entendo que mesmo o indigente da calçada possui essa minha modalidade de “poder”. E pergunto mentalmente ao indigente: “o poder para quê?”

3) Não uso drogras por dois motivos a] no atual sistema social e de Direito, elas são são um “mal humano”, b] consigo me abstrair da realidade por meios naturais de condicionamento mental, leia-se: pensamento, reflexão, criação… || Mas não sou o careta de dizer que “não é boa a alucinação, a divagação, a contemplação proporcionada por certo estado psicológico, às vezes induzido quimicamente”… Afora isso, as únicas vertentes que me preocupam são as seqüelas orgânicas e comprtamentais. O mal do combate às drogas é a caretice de dizer que ela “é má”, num cenário humano degenerado, onde os homens não delimitam claro o que é “Bem” o que é “mal”. Grande parte desta culpa cabe à Religião, que luta secularmente contra o humanismo. Então tá: agora salvem esses pobres “animalizados” das drogas, com essas religiões egóticas e alienadas!

4) Quem muito lê empilha livros sobre a própria cabeça. É esse o “peso” que levo; de rastejar entre as entranhas do mundo, de sentir-me impotente diante dos fenômenos, e me exigir mais do que exijo aos “leves” – sem uma folha de papel na experiência. Li mais de quinhentos livros, mas isso não me imunizou contra a ignância própria, nem me impede de flexionar os joelhos diante de uma criança, olhar nos seus olhos e ouvir sua pura “sabedoria”; nem é difícil agora “cultuar” os idosos, como deuses de vícios antigos, de soberbas repisadas, mas que, sobretudo me passarão à mão a fração do mundo que me cabe melhorar.

5) A Verdade é coisa que, dita reiteradas vezes, continuamente perde o valor. Então só falo a verdade às pessoas certas, no momento certo, com finalidade certa, e com certas ponderações. No mais, também não minto! mas encarno esse personagem esquivoso – traje  que o baile de máscaras humano recomenda – que tem licença poética pra dizer meias verdades, muitas profecias, e algumas fanfarrices bem-intencionadas – porque não sou perfeito! Lá fora, não sou mais o “homem que me exerce”: sou o artista que me encena com artifícios da ciência fria: desilusões.

6) Mesmo a língua comum é traduzida para as formas particulares de entender… Essa coisa de falar na língua “dos anjos”, me parece alienante! Já está em tempo de Deus reverter a pena aplicada lá na “Torre de Babel”. Vejo que os homens se matam pois não entendem os sinais mais comuns da piedade e do amor – é preciso cultivar o entendimento humano, humanizando a visão das coisas. Lembro que instrumentamos um processo que requisitava o tratamento de um pé necrosado de uma menina, com fotos cruéis das feridas. Na reunião, o requerente exaltado esbravejou: “imagina se é o pé de um filho seu que está aí?!” Logo o tratamento foi autorizado. Aí a imagem serviu de língua universal… Se não nos entedemos na língua vernácula, e na fraternidade, quaisquer outras línguas são anti-humanas!

7) Meus “óculos” estão impregnados de minha própria maldade. Vejo no mundo a metade diluída dos vícios-em-si-mesmos, e outra parte degenerada de mim. Portanto, perdôo certos erros, que esse perdão também é meu…

s) Quem é o “Supremo Juiz do Mundo”? Esse doutor, se me quiser dar julgamento justo, será meu leitor assíduo. Ora, senão! Do contrário, como se aplicaria a Lei com Justiça, se se mantivesse alheio a tão vultuosas provas? Seria um demérito na carreira de qualquer magistrado!

9) O homem “chega a deus” por meio das própria perceptividade psicológica. Obviamente, alguns projetam no Altíssimo a mesquinhez que têm em si. Einstem, do contrário, encontrava a Grandeza na sua profunda racionalidade, por sua mente capaz de abranger muito do universo infinito, e desprovido de preconceitos. Não sou digno de ladear-me àquele gênio, mas posso dizer que vejo também ao lonje uma vaga silhueta; imagino seja o “Mono” (do monotéismo), mas está longe, Ele não se obriga a separar brigas, nem curar feridas, nem colocar zeros à direita de minhas somas… é uma penumbra no horizante de um agnóstico… mas, senhores, desculpe se os desaponto: aquela supremacia que esparsamente vejo não parece o vosso deus-portátil!

10) Bebo algumas bebidas alcoólicas de modo moderadíssimo, porque, raramenre aprecio-lhes o sabor, mas elas me são úteis no cultivo das relações interpessoais. Se minha mulher me batesse enquanto eu estivesse bêbado, eu jamais beberia. E faço sempre um cálculo mental descompromissado do potencial agressivo de certa miligramagem de álcool e dos referenciais calóricos. Há casos em que se deve ser prático. Só isso.

11) Não basta ser uma “poesia ambulante”, cheio de cuidados no cultivo de si mesmo… às vezes é necessário uma poetisa que nos “sinta”, que nos “reduza” à forma elegante da poesia… e que entenda as evasivas e controvésias de nossa ficção… Procurei uma mulher assim…

12) Há livros para se trazer às mãos o conjunto da vida, e outros para igualmente se “objetificar” e sentir na mente sórdida e nua a fragilidade e a morte. Nesse sentido existencial, a partir de certo ponto, a lucidêz é obscurante e enlouquecedora… Já me senti ruir no abismo do nihilismo, na leitura de “A Morte Voluntária no Japão”, de Maurice Pinguet. É o meu “livro maldito”, que nem aos inimigos da liberdade recomendo, pela minuciosidade de sua tortura literária, ultra-humana

13) Se um louco aparecer à minha frente dizendo-se deus, eu terei de reverenciá-lo; como, aliás, faço aos loucos que não aparentam loucura, aos “deuses” que se fingem humildes, e a todas as outras forças remotas e brutas da Natuteza. Então tranquilizo os teístas -aqueles que escolhem o quê divinizar e o quê demonizar. Digo que o deus de suas religiões já se inclui nas minhas reverências. Se deus “é tudo” e está “em tudo”, não lhe bastarão a pureza dedicada às crianças,  a devoção com os idosos, e o compromisso ético com a humanidade? Por que terei de segregar-lhe culto e ofertas, se o faço em auxílio aos doentes e em cuidados fraternos com a Terra-Mãe?! E, se as injustiças do mundo me infortunam, me insultam, culpo os mesmos homens que reverencio, a mesma natureza intrépida e cruel. Ademais, espero que os senhores teístas cobrem providências ao vosso deus – que de um certo modo, o meu humanismo louvou.

De volta do Mundo

Vejo cada vez mais o “ventre” do mundo, para dentro dos olhos, seu esqueleto, suas entranhas… com sua contra-lógica, suas disparidades, coisas que me constragem a humanidade. Sinto as dores do mundo, porque sou o mundo – certeza que obtive através da consternação psicológica e da reflexão. Cada vez mais me estarreço: os meninos não foram gerados para serem mortos aos 15, nem as meninas, para serem abusadas como meros objetos do consumo insano, sem se ater de que caminham na direção do abismo excludente. Cada vez mais meus gestos são catárticos, minhas falas são cheias de obstinação e piedade, em controverso; mas são as pedras com que fomento meus próprios caminhos… E vou quase só, tateando as pontas de dedos que se me estendem: meias mãos, meias palavras, meias humanidades… lanço gravetos nestas chamas frias que não queimam nada, não iluminam nada! Onde está o Homem?! Onde estão as Mulheres, que subverteram a antiga opressão em uma falsa forma de liberdade ainda mais sutilmente opressora?! Onde estão, que não levantam o clamor de seus filhos pobres, filhos aos quais se nega o futuro?! Vejo bruscamente a velocidade da História frear ante a curva do colapso: seremos cada vez mais “obrigados a assumir a liberdade”, e a fazer dela um distintivo da humanidade resisual em nós. Não podemos mais nos dar ao luxo da estética sem ética, do consumo antinatural, da opressão consentida… E sei que esse ar de desastre, antes de prenunciar o fim de tudo, é um impulso para a saída. Luto com toda pouca força que tenho, mas nunca me dirão covarde! Pois já reguei a árvore da vida no viés destas palavras!

¿Por que sinalizar previamente a interrogação?

Em 2006 escrevi um artigo para o boletim da Asfab, em que utilizei o sinal de interrogação normal e o de ponta-cabeça. Nem me lembro bem quem corrigiu o original, mas imagino que tenha sido a colega Cristina Pimentel, sempre zelosa com o uso da língua. Sei que o texto foi divulgado em vernáculo, sem esse gritante
“espanholismo”.

Mas, no blog, pretendo utilizar o “anzolzinho”. Enfim, eternamente o utilizarei, por razões “ideológicas” que parecerão óbvias a quem se despir de qualquer purismo. Admiro bastante, aliás, a liberdade expressiva que o meio virtual nos propôe.

Bem, e há sempre maneiras de amainar purismo, sendo mais profundos, pois se sabe que é de séculos antigos assinalar as frases interrogativas e exclamativas com sinais introdutório e final, pelo menos na Espanha, Portugal e França. Em Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, p. ex., nada é dito sobre o assunto, mas eis aqui uma análise empírica pessoal que faço do caso, sem maiores intenções.

Em defesa da expressividade dos sinais ¿ e ?

  • Há frases interrogativas não sinalizadas que alcançam bem maior ênfase interrogativa que as tipicamente sinalizadas. E isso ocorre justamente pela prévia noção discursiva, induzida por certos elementos. Por aí, parece uma antipraticidade esperar, às vezes, dezenas de termos, com seus subsentidos, até achar o sentido interrogativo sinalizado lá no final. Aliás, e por analogia, é por isso que as estradas têm curvas e não vértices: o ritmo da escrita precisa de uma curva “entonativa” que introduza e concluia toda a complexidade de sentido de uma fala, como um veículo deve “moldar-se” às leis da física vetorial. Imagine, descobrir, já aos 120 km/h, que daqui a vinte metros de uma via escura há uma “curvinha” de sessenta graus…
  • “Queria saber por que eles não vieram.” Não aparece ao senso comum, mas a marca gráfica desta interrogação é o “por que” assim, separado e sem o circunflexo. Pois então, aí o sentido é capaz de induzir efeitos morfológicos, ou vice-versa, embora o tempo verbal, que “distancia”, implique um “querer resposta” subjetivo, responsável pelo efeito mental de uma atmosfera inquisitiva.
  • A curva às vezes subitamente requerida pelo [?] ao final de um período faz com que vociferar a escrita alheia se torne um perigoso terreno de sinais dissimulados nas particularidades interpretativas entre o formulador, o orador e os receptores. Muitas vezes uma frase interrogativa longa permanece como uma desagradável afirmação, até que se entoe o desfecho.
  • ¿Quem nunca, ao final de um longo trecho, como este, não perdeu a meada e teve de reconstituí-lo mentalmente em sentido, ou relê-lo?

Ademais, admiro a metaliteratura de Flaubert, quando insta que o texto deve ser tão fluxível à mente quanto à fala, e que, se as frases, oralizadas, ao tino do autor não soarem bem, é prudente antever que tampouco ao entendimento alheio soarão.

Pequenas ações

O Rio são Francisco nasce a 1600 metros do n�vel do mar, percorre 2800 km, e convive com 12 milhões de pessoas em 5 estados.

O Rio são Francisco nasce a 1600 metros do nível do mar, percorre 2800 km, e convive com 12 milhões de pessoas em 5 estados.

Quem vê a abundante força de águas, capaz de entremear-se como divisa de dois povos, duas culturas, tão díspares, não imagina que lá, numa vala truncada de pedras, ecoando no silêncio de um vale, nasce o rio. Às vezes, brota discretamente de pequenos “olhos d’água”… Uma pequena força é capaz de mover a mais implacável engrenagem. Nas cidades, ouvem-se as roldanas e pás de moinhos, vê-se o viço das plantações e a higiene das paisagens: tudo no mundo depende daquele singelo filete nascente de água. Mesmo peso axerce o ser sobre a totalidade humana. Gestos, crenças e valores “pingam” eternamente, afluindo para o total que somos. O homem jamais deve se esquivar da responsabilidade social e humana, alegando a “insuficiência” de seus atos. Um dia o amor infantil estará somado à postura fraterna de todo o povo, um dia a voz mansa e severa da mãe estará refletida na paz do mundo inteiro. ▒